Godard no Jardin de Luxembourg, em Paris: "Charlotte e Véronique, todos os rapazes se chamam Patrick" (1957)

A cidade de Paris é uma locação comum nos filmes da Nouvelle Vague francesa (final dos anos 1950 - meados anos 1960) e, com frequência, vemos pontos turísticos bem famosos, como a Tour Eiffel, os Champs-Elysées ou o Jardin de Luxembourg. Este último é o centro do curta-metragem de 1957, "Charlotte e Véronique, todos os rapazes se chamam Patrick", de Jean-Luc Godard. Este é o terceiro curta-metragem de Godard, o primeiro filmado na França (os dois primeiros foram realizados na Suíça, terra natal do cineasta) e já com a película profissional de 35 mm. 
Charlotte e Véronique, interpretadas por Anne Colette e Nicole Berger respectivamente, são duas amigas que dividem apartamento e marcam de se encontrarem no Jardin de Luxembourg. Charlotte chega antes e é abordada por Patrick, interpretado por Jean-Claude Brialy, um dos atores do star system da Nouvelle Vague. Ela tenta se livrar das investidas do insistente rapaz, mas acaba aceitando ir com ele a um café nas proximidades. Enquanto isso, a amiga Véronique chega ao lugar marcado e, ao desistir de esperar pela amiga, esbarra com Patrick, que recomeça um novo assédio, ao qual Véronique, como a amiga, cede ao final. No dia seguinte, as duas estão numa papelaria da região e veem Patrick passar com outra moça e se dão conta que o Patrick que ambas haviam conhecido no dia anterior era o mesmo rapaz. Todo esse imbróglio de idas e voltas é pontuado pelo  Rondó "Leichte Kaprice, alla ingharese" (“Capricho ligeiro, à moda húngara”) op.129. de Beethoven. Para quem quiser saber mais sobre a relação com a música, deixo a indicação de um artigo meu ao final.
Mas vamos às locações. O Jardim de Luxembourg é um grande parque mais ou menos no centro de Paris, no bairro conhecido como Quartier Latin, pois é onde fica também a universidade Sorbonne (que hoje é a Paris-1) e onde moravam vários estudantes nos anos 1960. Hoje, é um bairro extremamente turístico, com hoteis, lojas de departamento, lojas de souvenirs, enfim, um tanto descaracterizado. Mesmo assim, tinha um carinho pelo bairro, pois, na primeira vez em que estive em Paris, em 1995, fiz um curso de francês numa escola de línguas que ficava ali perto. Depois, confesso que aquele turismo exacerbado começou a me cansar, mas, mesmo assim, sempre voltava ao Luxembourg, pois ali fica o Museu du Luxembourg, com ótimas exposições. O museu pertence ao Senado da França, cujo prédio aparece no filme. Também acabo sempre indo ali por perto para comprar livros mais baratos na livraria Gilbert Joseph. 
O filme começa com esta imagem: 


Descobri que é um detalhe do topo do prédio do Senado e tenho mesmo uma foto com esse detalhe (embora não tão próximo), de dezembro de 2011.

Abaixo, também em foto de dezembro de 2011, podemos ver o prédio todo do Senado:



Para quem quiser assistir ao filme, ele está inteiro no link abaixo, de onde também tirei as imagens:


Seguindo a história, vemos Charlotte esperando a amiga Véronique, enquanto é observada por Patrick:


Vemos ao lado direito de Charlotte o chafariz, o que já nos dá uma localização de onde exatamente estão no parque, mas isso fica mais claro quando Patrick se senta ao lado de Charlotte e o enquadramento tem ao fundo o prédio do Senado (as legendas que aparecem ocasionalmente nas imagens são em inglês, do link, presentes no link indicado):



Sem voltar ao parque e só contando com fotos feitas antes de ver o filme, fica um pouco difícil de saber o local exato da filmagem, mas deixo aqui duas fotos, uma de fevereiro de 2012, com o chafariz congelado pelo frio e outra (de outubro de 2011) com cadeiras em frente ao prédio.



 Pode ser que a filmagem tenha sido feita na balaustrada do lado direito da primeira foto. Vemos, nas fotos abaixo, de junho de 2012 (a primeira) e de novembro de 2011 (a segunda e a terceira), a balaustrada, vasos de flores, cadeiras e o prédio.




 Mas é possível também que tenha havido modificações no parque de 1957 para os anos 2000, pois fica um pouco complicado de se localizar em relação ao chafariz. Vemos na imagem seguinte Patrick indo atrás de Charlotte, que sai dali para tentar se livrar dele. Vemos a mesma estátua e o chafariz de fotos minhas de outro ângulo (a segunda, com o prédio do Panthéon ao fundo).


fevereiro de 2012







junho de 2012




Enquanto isso, Véronique chega ao parque para encontrar a amiga:


Se levarmos em conta o local onde Patrick vai esbarrar com ela depois, podemos pensar que seja a entrada mais próxima ao Boulevard Luxembourg e ao Panthéon. Mas tenho uma desconfiança que seja a entrada ao lado de onde fica hoje o Museu du Luxembourg. Seguem dois mapas do Google:


Aqui é o museu (foto de outubro de 2011), destino de muitas de minhas visitas ao Jardim (claro que é ótimo aproveitar e esticar um pouco por ali):


Seguem fotos logo na entrada do parque ao lado do Museu (a primeira é de janeira de 2014; a segunda, de fevereiro de 2012, com neve):
















Enquanto Véronique está chegando, Charlotte e Patrick saem pela outra entrada do parque, contornando o prédio do museu (a que fica mais na direção do Panthéon) e vão para um café ali próximo:


Não consegui identificar esse café, mas imagino que eles tenham feito esse caminho (fotos de junho de 2012):


Enquanto Charlotte e Patrick vão para o café, Véronique chega ao lugar marcado com Charlotte e espera. Até que desiste e esbarra com Patrick na entrada próxima ao Panthéon. O rapaz insiste em levá-la a um café, ela é quase atropelada tentando se livrar dele (vemos o Panthéon ao fundo), mas acaba aceitando o convite.






O chafariz que vemos nas duas últimas imagens do filme é da praça Edmond Rostand, bem próxima ao Panthéon, como podemos ver nessa imagem do Google Street View (captura de julho de 2020):


É a uma imagem parecida com essa do filme, no dia seguinte, quando as duas amigas vão saber que foram cortejadas pelo mesmo Patrick:

Charlotte e Véronique estão numa papelaria e veem Patrick passar do outro lado em frente a Café Mahieu:





Tentei achar o Café Mahieu no Google Street View, mas descobri que ele não existe mais e, no seu lugar está... um Mac Donald!! Coisas da Paris moderna...
Creio que essas fotos do Google Street View (de julho de 2020) nos dão uma boa ideia do local da filmagem. 




É claro que a história dos assédios do personagem Patrick incomoda bastante. Mas, ao mesmo tempo, ele é tão ridículo, que não dá para se levar a sério, embora as moças até acabem se entusiasmando com ele antes da sequência final. Por outro lado, o assédio é tão comum na França, que estava naturalizado no livro didático com que comecei a aprender francês. Nos últimos anos, houve uma grande campanha contra ele e outras práticas sexistas, com grandes cartazes no metrô de Paris.

Para quem quiser ler a minha análise da música do filme, foi publicada no artigo:

ALVIM, L. B. Música e som nos curtas-metragens de Jean-Luc Godard dos anos 1950. Lumina, v. 15, n. 1, p. 63–78, 2021. DOI: 10.34019/1981-4070.2021.v15.27395. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/lumina/article/view/27395



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Em busca da geografia real/imaginada de "Em trânsito" em Marseille - parte 1

Em busca do Marajó - reminiscências de "Argila" (Humberto Mauro, 1942)

Bucareste vista a partir de dois filmes